Era de tarde e eu tinha de fazer um trabalho na faculdade com o João. Combinamos de nos encontrar dentro do shopping, em frente ao cinema, porque a próxima à esquerda era a saída para a faculdade onde estudávamos. Finalmente ele chegou e lembrei-mede que havia esquecido minha pasta em casa. Pedi que ele me esperasse por alguns minutos, afinal eu morava até que perto dali.
Fui caminhando até o ponto onde meu ônibus passava. Senti, de começo, uma leve tontura; achava que era por eu não ter me alimentado muito bem naquela tarde. Entrei no ônibus, passei pela catraca e sentei-me longe das pessoas. Estava muito calor e procurei um assento onde eu pudesse respirar um pouco mais de ar puro. A tontura continuou por alguns minutos, mas depois acabou.
Cheguei em casa, lavei o rosto e tomei um remédio pra dor de cabeça. Liguei pro João e disse que havia chegado e iria pegar minha pasta. Peguei a pasta e uma barrinha de cereal no armário, para quando eu estivesse com fome mais tarde.
Fui para o ponto de ônibus andando. Peguei o primeiro que passava até o shopping onde o João me esperava. Desci e fui até onde ele estava. Finalmente poderíamos ir para a faculdade fazer o trabalho.
Fiquei lá até umas sete e meia. Estava exausta e com dor de cabeça.
Mas como tinha remédio na bolsa, não estava tão preocupada. Eu queria era ver um filme no cinema, ou uma peça de teatro.
Fui ver uma peça que estava em cartaz há algumas semanas e que eu, particularmente, saberia que iria adorar.
Na fila, quase que já para entrar, entreguei meu ingresso e logo na frente havia um homem vendendo pipoca e eu comprei. Fui procurando no teatro, qual era o lugar da minha cadeira.
Sentei-me ao lado de um homem de aparência jovem, que por sinal era muito simpático. Ofereci minha pipoca à ele, mas ele não quis.
A peça começou e não ouvia-se nada além das falas dos atores que estavam no palco. Um imenso palco.
Passaram-se duas horas e todos já estavam saindo para fora da sala de teatro. O simpático moço jovem que sentara ao meu lado na peça, encontrara-se com amigos ao sair do teatro e eu fui embora para casa. Trocamos e-mails, assim poderíamos nos corresponder mais.
Cheguei em casa, larguei a bolsa no sofá da sala e o sapato o chão do quarto; voltei para a sala e deitei-me no sofá, de uma maneira muito confortável. Liguei a televisão. Não havia nada de interessante.
Deixei a televisão ligada e fui tomar banho. O banho, como de costume era quente, muito quente. Ao terminar eu podia sentir o vapor em mim. Era o que eu mais gostava de ver. A fumaça quente subindo até meu rosto.
Desliguei a televisão e fui dormir. Deitei na cama e dormi.
O relógio despertou ao som de Jeff Buckley - Hallelujah - ; a música invadia meus ouvidos e eu ali, ficava apreciando cada palavra que ele dizia. A cama estava tão confortável que nem sequer eu abrira os olhos. Queria ficar ali eternamente ouvindo aquela música..
Abri os olhos. E nada. Não enxergava mais nada. Nada além da escuridão. Lágrimas escorriam de meu rosto e a música ainda continuava de fundo. A música que antes eu achara tão linda, agora não passava de uma tortura para meus ouvidos.
As lágrimas continuavam ali e não cessavam. Eu não poderia compreender como eu pudera ficar cega da noite para o dia.Literalmente.
Perder a visão é perder a vida.
Olhar era o mais importante.
Agora como seria minha vida dali para frente?
Simplesmente Não seria!
Como eu poderia viver sem ver as coisas, as cores das coisas, o formato..
Já ouvira vários casos de que pessoas acordaram cegas, mas eu dizia que nunca aconteceria comigo..Eu era tão saudável.
Não haviam históricos de cegueira ou problemas na visão em minha família.
Não levantei da cama. Fiquei ali,deitada.
Liguei para o João e disse-lhe o que havia de fato acontecido. Ele não pensou duas vezes. Foi até onde eu estava. Ao chegar, bateu na porta do apartamento. Por sorte, a porta estava aberta. Ele perguntou-me como havia ocorrido e eu não sabia explicar. Pude sentir seu desespero ao tocar minha mão. Disse à mim que iria buscar ajuda.
Eu não poderia esperar mais. Fiz o que havia de ser feito.Em meu criado-mudo haviam caixas de remédios que minha avó usava. Tateei até achar todas e tomei os comprimidos de uma vez, sem água.
Pude sentir o sangue subir até a cabeça e então, não senti mais nada.