Eu era um médico. Diziam que eu era louco, problemático, por querer salvar vidas que já não podia-se fazer nada além de esperar a morte.. às vezes eu ligava sim para o que as outras pessoas falavam da minha profissão e de tudo mais. Eu ficava triste. Meus dias não eram dos bons não. A cada plantão no hospital era uma morte interior.
Todas aquelas pessoas morrendo por dentro e por fora. Todas sofridas. Ficavam ali, nos corredores, em macas improvisadas. Cada dia era uma luta. Chegava em casa e ao deitar-me, minha esposa perguntava-me o que havia de errado comigo; e eu sempre ficava quieto, pensando. Talvez não estivesse nada de errado comigo, mas com o mundo. Um mundo cruel. Os humanos o tornaram assim.
Pegava-me com esses pensamentos a quase que todo o tempo. Não havia como não pensar.
Eu deveria virar um palhaço; afinal era isso o que diziam à meu respeito. Diziam que eu não levava minha profissão a sério. Mas ninguém via os perrengues que eu passava durante a jornada de trabalho..
Estava tomando café quando meu telefone tocou. Era do hospital. Uma emergência.
Não terminei de tomar café. Peguei um pedaço de pão e fui correndo até o carro. Não me disseram qual era a emergência.
Ao chegar no hospital próximo onde morava, deparei-me com uma menininha; devia ter uns seis anos de idade e ela não tinha cabelo. Tinha câncer no sangue e estava caminhando para a fase terminal. Ela quase não falava. Era muito esforço para uma pequena menina.
Seus olhos eram castanhos claro. Olhos que nunca mais vou esquecer. Olhos que pediam socorro. Foi quando eu disse que seus olhos eram lindos ela me respondeu que só queria ser uma criança normal.
Não pude me conter. As lágrimas derramaram rapidamente e aquele momento foi único. Senti que deveria abraçá-la. Ao menos um abraço confortante poderia amenizar a dor e o sofrimento de tudo aquilo que ela estava passando. Abracei-a e pude sentir em seu frágil abraço, a ponta de esperança que ainda restara em seu coração. A esperança de que aquela doença pudesse ir embora, e que em breve ela pudesse voltar a brincar de boneca com as outras meninas.
As sessões de quimioterapia a deixavam muito fraca.
Eu ali, pudera sentir seu sofrimento como se eu estivesse em seu lugar. Aqueles olhos lindos gritavam o que ela não pudia declarar.
A sessão acabou e ela foi para o quarto, repousar.
Já estava quase na hora de meu turno terminar e fui trocar de roupa. Abri meu armário e lá encontrei um antigo nariz de palhaço. Não pensei duas vezes. Coloquei-o e fui até o quarto onde ela estava.
Ao chegar no quarto, ela estava dormindo. Mas quando cheguei perto, seus olhos abriram-se e uma pequena lágrima de felicidade escorreu, e ela sorriu levemente. Comecei a cantar umas cantigas que minha mãe costumava cantar para mim quando eu era pequeno.
Seu semblante era outro. Fiquei ali durante uma meia hora e pude sentir, verdadeiramente, que a felicidade finalmente a tocara.
Fui para casa descansar. No outro dia logo cedo, fui para o Hospital e recebia mensagem de que após a minha saída na noite anterior, ela entrara em coma profundo, não resistiu e acabando por falecer.
Nunca pude esquecer-me daquela linda menina..daqueles olhos que brilhavam e que ao mesmo tempo esperava por um fim. O fim da dor.
Agora ela não poderia mais sentir dor. Poderia finalmente descansar.
Seu nome não sai de minha mente.
Cristal.
Morrer já não me assusta mais. Apenas não quero deixar tudo o que amo sem proteção.
ReplyDeleteLINDO, LINDO, LINDO!!! PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉNS! ANIMAAAAAL!
ReplyDelete"Talvez não estivesse nada de errado comigo, mas com o mundo. Um mundo cruel."
SOU ASSIM SEMPRE, PERGUNTANDO-ME SEMPRE POR QUE...